Repositórios de REA e modelos de sustentabilidade em educação aberta

O debate sobre Recursos Educacionais Abertos (REA) tem frequentemente início numa pergunta simples, mas estrutural: quem produz os materiais educativos, com que financiamento e sob que condições de uso? A resposta já não pode ser limitada ao circuito tradicional de editoras comerciais e conteúdos proprietários, sobretudo quando organismos como a UNESCO definem os REA como materiais de ensino, aprendizagem ou investigação em qualquer formato que residem no domínio público ou sob licenças abertas, permitindo acesso sem custos, reuso, adaptação e redistribuição por terceiros. A emergência de grandes repositórios institucionais, plataformas colaborativas e ecossistemas nacionais de acesso aberto revela um esforço concertado para reequilibrar este cenário, articulando políticas públicas, infraestruturas técnicas e práticas pedagógicas de base colaborativa.
No contexto da unidade curricular Materiais e Recursos para eLearning, esta problemática ganha um contorno concreto: selecionar repositórios de REA não apenas pelo volume de conteúdos, mas pelos modelos de sustentabilidade que corporizam. Este artigo analisa três exemplos que ilustram abordagens distintas e complementares: o MIT OpenCourseWare, enquanto projeto institucional de grande escala; o OER Commons, como infraestrutura colaborativa orientada para a curadoria distribuída; e a revista a‑REAEDUCA, enquanto Recurso Educacional Aberto desenvolvido e consolidado no contexto português. A referência a iniciativas como o Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP) é feita apenas como enquadramento, para evidenciar o ambiente de ciência e educação abertas em que estes recursos se inscrevem, sem constituir uma quarta “fonte” analisada em detalhe.
MIT OpenCourseWare
O MIT OpenCourseWare (OCW) é um dos projetos fundadores do movimento contemporâneo dos REA, ao disponibilizar, desde o início dos anos 2000, conteúdos de centenas de unidades curriculares do Massachusetts Institute of Technology em acesso aberto. Os materiais incluem planos de aula, notas de curso, listas de exercícios, exames, vídeos de aulas e outros recursos associados a cursos completos, muitos dos quais licenciados com Creative Commons, permitindo o reuso e, em determinados casos, a adaptação para outros contextos. A iniciativa foi apoiada, entre outros, pela William and Flora Hewlett Foundation, como parte de uma estratégia para demonstrar que a partilha aberta de conteúdos de alta qualidade pode coexistir com modelos sustentáveis de ensino superior de prestígio.
Em termos pedagógicos, o MIT OCW oferece uma janela para estruturas curriculares e práticas de ensino de uma instituição de referência global, permitindo que docentes e estudantes noutros países analisem a organização de conteúdos, comparem abordagens didáticas e reutilizem materiais em cursos formais e informais. Embora o formato ocorra frequentemente sob a forma de materiais “estáticos” (apontamentos, PDFs, vídeos), a possibilidade de os descarregar e adaptar, aliada à clareza das licenças, torna o MIT OCW um repositório valioso para quem pretende desenhar cursos em eLearning baseados em referenciais curriculares sólidos e abertos.
OER Commons
O OER Commons funciona, neste segundo artigo, como peça de ligação entre grandes produtores institucionais e ecossistemas nacionais, ao oferecer uma plataforma de agregação e curadoria de REA que acolhe recursos de múltiplas origens. A biblioteca digital permite pesquisar e filtrar por área disciplinar, nível de ensino, tipo de recurso, idioma e condições de uso, incluindo as diferentes licenças Creative Commons, o que responde diretamente às recomendações internacionais sobre a importância de tornar os REA descobríeis e tecnicamente reutilizáveis.
Para além da agregação, o OER Commons inclui ferramentas de autoria, espaços de trabalho colaborativo e coleções temáticas (microsites) que apoiam redes de docentes na criação e adaptação de recursos, bem como na partilha de sequências didáticas e planos de aula. Esta dimensão colaborativa aproxima o repositório de um modelo de sustentabilidade baseado em comunidade, no qual a qualidade e a relevância dos materiais resultam não apenas do trabalho inicial dos autores, mas da intervenção continuada de utilizadores que revêm, classificam, comentam e recontextualizam os recursos.
a‑REAEDUCA – Revista de Educação para o Século XXI
A a‑REAEDUCA – Revista de Educação para o Século XXI constitui um exemplo de Recurso Educacional Aberto que nasce diretamente de uma atividade da unidade curricular Materiais e Recursos para E‑Learning, do Mestrado em Pedagogia do E‑Learning da Universidade Aberta, e evolui para um projeto editorial sustentado na filosofia dos REA. O projeto inicial consistiu na conceção de uma revista online de educação para o século XXI, apoiada em Recursos Educacionais Abertos, que integrava artigos, infográficos, entrevistas, vídeos e outros materiais, todos disponibilizados em acesso aberto e sob licenças Creative Commons favoráveis ao reuso. A metodologia seguida envolveu a seleção de tema, planeamento da revista, revisão de literatura sobre REA e educação aberta, e construção de um site que funcionasse simultaneamente como revista e como repositório de referências e recursos na área.
Com o tempo, a revista evoluiu para a‑REAEDUCA, passando a integrar explicitamente a noção de abertura no próprio nome e a alargar a sua atuação a três domínios: académico, organizacional e didático‑pedagógico. A revista adota a via dourada de acesso aberto, disponibilizando os artigos em acesso livre, sob licenças Creative Commons, e articulando-se com repositórios e diretórios de acesso aberto, incluindo arquivos institucionais e portais como o RCAAP, que contribuem para a visibilidade e preservação dos conteúdos. Este percurso ilustra um modelo de sustentabilidade que combina a energia de uma iniciativa pedagógica local com a integração em infraestruturas nacionais e internacionais de acesso aberto, reforçando a ideia de que a produção de REA pode emergir de contextos formativos e ganhar escala e visibilidade através de políticas e redes de ciência aberta.
Em conjunto, MIT OpenCourseWare, OER Commons e a‑REAEDUCA mostram que os recursos educacionais abertos podem ser produzidos e mantidos por atores muito diferentes – grandes universidades, organizações dedicadas à gestão do conhecimento e comunidades académicas ligadas a cursos específicos – mas convergem na ideia de que o acesso aberto, o reuso e a adaptação são componentes centrais de uma educação mais equitativa e inovadora. Para a conceção de cursos em eLearning e para a prática docente em geral, explorar estes três repositórios significa, simultaneamente, aceder a materiais de alta qualidade e participar em ecossistemas que tratam a partilha e a co‑criação como dimensões estruturantes do trabalho educativo, alinhadas com a agenda internacional de educação aberta.
Referências:
- MIT OpenCourseWare. (s.d.). MIT OpenCourseWare. Massachusetts Institute of Technology. https://ocw.mit.edu
- Institute for the Study of Knowledge Management in Education. (2011). OER Commons: A teaching and learning network for open educational resources. ISKME. https://www.iskme.org/projects/oer-commons/
- OER Commons. (s.d.). OER Commons [Biblioteca digital]. https://www.oercommons.org
- RCAAP. (s.d.). Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP). Fundação para a Computação Científica Nacional. https://www.rcaap.pt
- Nobre, A., Pereira, H., & Rosa, R. (2017). a‑REAEDUCA – Revista de Educação para o Século XXI: Pensar, desenvolver e criar um REA. EaD em Foco, 7(1), 72–83.
- UNESCO. (2012). 2012 Paris OER Declaration. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000246687
- UNESCO. (2010). A basic guide to open educational resources (OER). UNESCO; Commonwealth of Learning. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000215804



